04 maio, 2012

esquizofrenias, smartphones e impotência - v1.0

Estamos encarcerados em nossos dispositivos tecnológicos portáteis. Passamos a viver uma vida dupla, em que a realidade é sempre entediante e o simulacro digital é todo tempo novidade.

Se no mundo real as coisas e as pessoas não acontecem em determinado tempo, no meu smartphone, ao contrário, posso baixar um aplicativo, jogo ou mudar completamente sua aparência, de forma instantânea, simples, descartando o velho, incorporando o novo, amenizando a frustração da imparcialidade do tempo-espaço.

A realidade nunca vai ser tão vibrante, colorida, desafiadora, dinâmica como nos games que possuímos em nossos tablets, laptops ou games portáteis. As pessoas nunca serão tão interessantes, altruístas, alegres, bem-sucedidas e viajadas como nos profiles do facebook.

O fruir no ambiente virtual de nossos aparelhinhos tecnomidiáticos é sempre constante. Atualizações de software acontecem na velocidade dos nossos pensamentos, na velocidade do nosso ego sedento por mais recheio. A mudança ou troca dos nossos gadgets acontece freneticamente, só dependendo dos nossos bolsos, pois os fabricantes atualizam seu hardware e seu discurso tão rápido quanto nos dispusermos a comprar e adquirir coisas.

Romper e conectar nesses ambientes tecnosociais é tão simples quanto apertar um botão para chamar o elevador. Podemos nos envolver com alguém, coisa ou causa e mesmo assim nos mantermos deveras afastados, poupando nossa vaidade, no caso de alguma negligência. No mundo real, contrariar, romper, brigar, se desconectar das pessoas é muito traumatizante, dói, tem lá seus problemas, que são variados. Vivemos o tempo todo trombando com nossas inimizades do mundo real, seja em nosso bairro, numa festa, isso é sempre constrangedor. No mundinho que vivemos dentro de nossas redes sociais e meios de socialização virtual, as amizades virtuais podem ser desfeitas e rompidas, desprovidas de qualquer empecilho e aborrecimento que a nossa fragilidade da carne e do osso causam.

Se no mundo real precisamos da publicidade e da propaganda para criar excitação ou para capturar a atenção, no ambiente tecnomidiático as relações e interatividades são elas mesmas as propagandas e publicidades, são elas próprias o ópio ou o viagra, e bastam por si para causar euforia e prazer.

É tudo um delírio controlado ou mesmo um hedonismo controlado, fornecido de hora em hora, de minuto em minuto, em cada atualização de status, em cada post de texto ou foto. Nossos dedos ágeis garantem a que não percamos nenhuma porção de satisfação do alucinógico coletivo. O meio tecnomidiático é a própria ansiedade, é o próprio remédio e o próprio cárcere.

Como a pornografia analógica, que antigamente era alugada em fitas VHS, ou a digital que hoje baixada nos torrents ou está disponível em streaming, a satisfação está em não se satisfazer ou não satisfazer aquele que consome. Deve-se sempre retroalimentar o sistema com a frustração ou o o próprio sistema entra em colapso.

Nesses aparelhinhos dotados de uma feitiçaria desconhecida, estamos todos hipnotizados pela possibilidade de alterar a estrutura da “aldeia global”, de poder novamente fazer parte de um ambiente, de uma natureza, que por hora está perdida ou afastada. Estamos sob forte influência de um encatamento, macumba tecnológica ou um tipo de vodu desconhecido criado pelos CEO’s e marketeiros das companhias capitalistas.

Nossa cultura está levando a sério o conceito “multitasking” dos sistemas operacionais e vivemos o tempo todo alternando nossa percepção entre estados de atenção. Agora estou aqui, mas rapidamente, num piscar de olhos, estou imerso em minha esquizofrenia digital.

No fim das contas parece que gostamos desse frenesi de viver vidas duplas, triplas, que passamos a viver sem correr o perigo, sem nos expor ao vexatório, sempre protegidos pelo anonimato de nossos IP’s. Gostamos de flutuar na hiper-realdiade, de possuir sentimentos artificiais e de poder comprá-los com nossos cartões de crédito. Mas estamos vivendo nossas relações com o mundo, com as coisas, causas e pessoas de forma cada vez mais vazia, cada vez mais desprovida de profundidade e quiçá de realidade.

Flávio Takemoto

Nenhum comentário:

Postar um comentário